CRONONUTRIÇÃO - ENTENDA O QUE É!

A crononutrição se refere ao estudo das áreas da cronobiologia e da nutrição. Desta forma, esta ciência investiga a relação entre os ritmos biológicos, nutrição e metabolismo.
Os seres vivos, com o passar dos milhares de anos, desenvolveram a capacidade de adaptarem-se às alterações que ocorrem no meio ambiente. Dentre os vários fenômenos biológicos que permitiram que esse processo adaptativo ocorresse, estão os ritmos biológicos. Uma das classificações dos ritmos biológicos baseiam-se na frequência de ocorrência em torno de um dia e refere-se aos ritmos que ocorrem a cada 24 horas aproximadamente, denominado ciclo circadiano. Os ritmos circadianos estão normalmente sincronizados ao processo de rotação da terra, que nos expõe diariamente à alternância dos ciclos claro/escuro (dia e noite) e às mudanças de temperatura.
Um importante mediador hormonal desse sistema é a melatonina. Este hormônio, produzido pela glândula pineal, é sintetizado predominantemente durante a noite, sendo esse processo inibido ou inibido parcialmente pela presença de luz. Devido a essa característica, ela é capaz de controlar diversos processos fisiológicos, como sono e vigília, processos reprodutivos, digestivos e de sinalização insulínica, além de garantir a manutenção do balanço energético. Nesse sentido, é importante também considerar o âmbito da frequência alimentar, do horário das refeições e, até mesmo, do comportamento alimentar, que são aspectos nutricionais que também podem causar influências sobre o equilíbrio do metabolismo energético.
Vale ressaltar que os seres humanos são parte de uma espécie diurna que se alimenta durante o período de claridade e repousa durante a noite. A alimentação e o comportamento alimentar são influenciados pelo ritmo biológico do indivíduo. O conflito entre o padrão de alimentação e a alternância de luminosidade do ciclo claro/escuro veio em decorrência do mundo moderno, que possibilitou e estendeu o período de disponibilidade de alimentos também para o período da noite, momento este em que o organismo humano apresenta menor capacidade de resposta à ingestão alimentar. Tal cenário não fez parte da evolução da espécie ao longo de milhares de anos, estando presente a partir do advento da energia elétrica e do processo avançado de urbanização, que trouxeram como resultados, por exemplo, a obtenção de alimentos, seu preparo, armazenamento e conservação sem a limitação do tempo.
A qualidade e a quantidade dos alimentos ingeridos ganharam destaque, porém, alguns estudos apontam que a busca por uma alimentação e estilo de vida saudáveis deve levar em conta também o horário em que as refeições são realizadas ou não.
Alguns estudos identificaram que indivíduos que não realizavam a refeição de café-da-manhã, em comparação com aqueles que a realizavam regularmente, apresentavam um risco elevado de doença cardiovascular e de todas as causas de mortalidade relacionadas. Isto pode ocorrer por meio de possíveis alterações fisiológicas e metabólicas que podem ocorrer nestes indivíduos, dentre elas , uma possível alteração do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, não atrelada ao estresse, que elevaria a concentração de cortisol e a pressão arterial; assim, haveria aumento nos níveis de colesterol total e LDL-colesterol; prejuízos à sensibilidade à insulina e maior risco de diabetes; e a relação com preferências alimentares e hábitos de vida menos saudáveis, como maior ingestão de bebidas açucaradas e álcool, tabagismo e sedentarismo.
Ademais, estudos que buscaram analisar se indivíduos que consumiam suas refeições em períodos mais tardios do dia, ou seja, períodos em que há maior liberação de dopamina, encontraram que os indivíduos com maior porcentagem de gordura corporal consumiam a maior parte das calorias diárias cerca de 1h mais perto do início do horário de liberação noturna de melatonina em comparação aos indivíduos com baixa porcentagem de gordura corporal. De acordo com esta análise, o momento da ingestão de alimentos em relação ao horário de início da liberação de melatonina foi significativamente associado com a porcentagem de gordura corporal e índice de massa corporal. O mesmo não foi observado quando avaliada a quantidade ou qualidade dos alimentos consumidos neste período. Assim, os autores identificaram que o consumo alimentar próximo ao início da noite circadiana, independentemente de outros fatores de risco tradicionais como quantidade ou qualidade da ingestão de alimentos e nível de atividade física, desempenha um papel importante na composição corporal.
Sendo assim, alguns aspectos passaram a ser analisados pela crononutrição. São eles: regularidade - como é a rotina alimentar do indivíduo? Ele costuma pular refeições? frequência - o número de refeições que o indivíduo realiza durante o dia; horário - período do dia em que o indivíduo realiza suas refeições.
Doravante, pesquisas mostram que indivíduos com cronotipo vespertino,isto é, que têm preferência por realizar as atividades mais tardiamente, possuem maior incidência de doenças cardiometabólicas e sobrepeso devido à propensão a manter uma rotina alimentar irregular e uma ingestão tardia de alimentos. Por outro lado, indivíduos com cronotipo matutino, ou seja, que apresentam preferência em realizar suas atividades durante em horários iniciais do dia, tendem a manter maior regularidade em seus hábitos alimentares e a apresentarem menor predisposição ao risco cardiometabólico e ao desenvolvimento de obesidade.
É importante avaliar outros aspectos, como a idade, etnia, moradia, estresse, carga de trabalho, trabalho em turno, qualidade e horas de sono. Estes fatores podem influenciar a ingestão alimentar e a imposição social, que caracteriza nosso estilo de vida e reflete em nosso contexto alimentar.
Há ainda a influência dos padrões de vida atuais, como a exposição excessiva à luz artificial no período noturno e o hábito de se alimentar tardiamente, especialmente na madrugada, que causam uma desorganização temporal do ritmo circadiano e de funções biológicas, gerando impactos negativos à saúde, podendo colaborar para o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis como obesidade, diabetes, resistência à insulina e síndrome metabólica.
É possível concluir que abordagens dietéticas que consideram os preceitos da crononutrição, são importantes para a organização de nossa fisiologia e comportamento, auxiliando na manutenção de nossas respostas celulares e modulações fisiológicas para a promoção da saúde. Desta forma, quando há organização das respostas do organismo, isto pode ser mais efetivo a fim de melhorar a saúde metabólica e reduzir os riscos de doenças.
Referências
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